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sexta-feira, maio 27, 2005

Eia, ó coiso, com esta é que lixaste isto tudo...

Não é novidade nenhuma que gostar de futebol e gostar de um clube são coisas bastante diferentes. Até há aquela frase-feita, tão banal, tão verdadeirazinha, tão bem-comportadinha que já chateia mais do que boxers de lã em genitália depilada (e, não, não tenho nem uma coisa nem outra): «os portugueses não gostam de futebol, gostam dos seus clubes». Ahsssssiiim?! So what?

A questão é mais profunda do que isso. Porque «gostar de um clube» e «gostar de futebol» não são só coisas diferentes, são conceitos mutuamente exclusivos. É preciso optar. Quem gosta do seu clube não gosta de futebol. Quem gosta de futebol tem de estar preparado para ridicularizar todos os que o maltratam, mesmo que sejam do «seu» clube. Com todas as letras: quem é capaz de pôr o sufixo «ista» à frente da palavra que define a sua relação com o futebol não faz a mínima ideia do que é gostar de futebol. E não precisa: já tem o seu clube. Bom proveito.

Há quem, sem perceber do que fala, argumente que não ter clube é uma defesa da neutralidade e da objectividade e que estas são palavras incompatíveis com o futebol. Puro disparate: não ter clube pode ser tudo, mas não é, de certeza, uma defesa da neutralidade e da objectividade. É, pelo contrário, a forma mais consistente de se ser parcial. É, se quiserem, o salvo-conduto para torcer irracionalmente, se for preciso por mais do que uma equipa no mesmo jogo, tendo como referência valores que estão muito para lá das cores, dos equipamentos, dos anos de fundação e dos números de sócio.

É aterrar num Southampton-Charlton e tomar partido por alguém, com o mesmo fervor e a mesma subjectividade com que se toma partido num F.C. Porto-Benfica. É aterrar num F.C. Porto-Benfica e torcer pelo Benfica na primeira parte, e pelo F.C. Porto na segunda, se o jogo assim o exigir. É torcer para que os lances de ataque dêem certo e insultar mentalmente os defesas que impedem que as jogadas desaguem em golos. É deitar os fumos dos couratos, das bifanas e das farturas para o caixote do lixo da História, juntamente com os cachecóis de contrafacção, as bandeirinhas de poliester e os autocolantes da janela de trás do carro.

É perceber, no fundo, que o «amor à camisola» é um conceito limitado e redutor quando comparado com o «amor ao jogo». Ter amor à camisola é ser fiel a um guru. Ter amor ao jogo é ser leal. Para com os outros, os adversários, os colegas de equipa, nós próprios, o mundo.

Como nas questões religiosas, é inútil que os habitantes de um lado tentem converter os do outro. A decisão é individual, íntima, e, como tudo o que diz respeito à fé ou à ausência dela, faz parte do mais profundo de cada um de nós. A única coisa que importa é assumir as diferenças. E as distâncias. Adeptos de futebol e adeptos de clubes não são compatíveis. Ponto.

Por isso, neste caso, e apenas neste caso, sou favorável à segregação ideológica, aos mecanismos de controlo da Guerra Fria (muros de Berlim e quejandos), a todas as formas de despotismo capazes de assegurar que nunca, mas nunca mais, se confundem coisas tão diferentes. De um lado o futebol, do outro os clubes, ok? Ficamos assim? Quem diz que gosta das duas coisas não é um adepto nem é nada: é apenas um equívoco com pernas, um desperdício de oxigénio e espaço, um lapso na cadeia de evolução.

E agora alimpem-se aí a este guardanapo e encham-me a caixa de correio com «hate mail», que eu vou passar o fim-de-semana e já volto.

(by Espoliado de Incheon)

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