Postes e imagens
Há imagens que nos ficam para sempre. Que recordamos todas as madrugadas anteriores a um jogo, seja para nos dar moral, força ou para termos um esboço de tudo o que conseguimos realmente fazer. Depois, varia de cérebro para cérebro. Aos avançados, depois da contagem decrescente em versão cinemascope, arrebata-os um ou dois grandes golos. O número 10 repete em câmara lenta um livre directo ou um passe com o pé menos dotado. O defesa evoca um carrinho à chuva a um avançado isolado. Sem falta. E o guarda-redes suspira pelo voo num penalty marcado pela estrela da equipa adversária e ao som da música mais célebre de Vangelis. Assim se dorme menos e se acorda regenerado, e pronto para mostrar ao mundo do que somos feitos.
Sempre tive problemas para memorizar a imagem de um grande momento. Andei um pouco por todo o lado, corri quilómetros. Talvez seja por isso. Mas há algo no meu DVD interno que entra em reprodução automática sempre que recordo os velhos tempos. Um jogo nem maior nem menos importante do que os outros. Nem me lembro de quem ganhou. Um campo pelado, um árbitro vestido de preto e um passe em profundidade. A bola a saltitar entre a poeira levantada e a altura em que muitas pernas de mulheres nos atiram mensagens em forma de tatuagem.
Nas bancadas, a namorada. Gira, pá! Em grande forma física, como diria o Gabriel Alves. A bola ameaçava-me, mas já sentia a presença de um adversário, ali bem perto, pronto para me roubar O MOMENTO DE GLÓRIA, aquele que me permitiria dormir como um anjo anos a fio. Não sei por que o fiz, nunca o tinha tentado daquela forma. Aluno mediano de física, sempre achei que a posição dos dois corpos (eu e a bola) nunca permitiria tal coisa. Enganei-me. O pontapé de moinho, para mim impossível e não pensado, não estudado, apenas feito, enrolou a bola na perfeição para a sua fuga ao guarda-redes. Mas o poste bastardo estava lá. Também como Carlos Alberto em 1970 gritei "Puta que paaaariuuuuu!", mas não podia sorrir. Vi alguém a correr na direcção do guarda-redes estático: "Estavas a dormir, palhaço". Eram irmãos. Mas ele compreendeu a impossibilidade, não podia evitar algo que não existia. Que não era explicado por "força 1 sobre objecto 1 menos atrito".
A bola fugiu para o lado contrário, saiu para pontapé de baliza. Se nessa altura tivesse razões para gritar golo bem alto, sentir-me-ia Rei do Mundo, capaz de tudo e de mais alguma coisa. Provavelmente, teria abraçado, com todos os meus 19 anos, a minha namorada. Acreditado que era o destino. E teria dito qualquer coisa estupidamente romântica sobre dedicatórias, casamentos e uma vida eterna em companhia. Hoje, não durmo assim tão bem, mas acordo bem mais feliz. Afinal, os postes estão lá para isso.
(by El Pibe da Trafaria)
Sempre tive problemas para memorizar a imagem de um grande momento. Andei um pouco por todo o lado, corri quilómetros. Talvez seja por isso. Mas há algo no meu DVD interno que entra em reprodução automática sempre que recordo os velhos tempos. Um jogo nem maior nem menos importante do que os outros. Nem me lembro de quem ganhou. Um campo pelado, um árbitro vestido de preto e um passe em profundidade. A bola a saltitar entre a poeira levantada e a altura em que muitas pernas de mulheres nos atiram mensagens em forma de tatuagem.
Nas bancadas, a namorada. Gira, pá! Em grande forma física, como diria o Gabriel Alves. A bola ameaçava-me, mas já sentia a presença de um adversário, ali bem perto, pronto para me roubar O MOMENTO DE GLÓRIA, aquele que me permitiria dormir como um anjo anos a fio. Não sei por que o fiz, nunca o tinha tentado daquela forma. Aluno mediano de física, sempre achei que a posição dos dois corpos (eu e a bola) nunca permitiria tal coisa. Enganei-me. O pontapé de moinho, para mim impossível e não pensado, não estudado, apenas feito, enrolou a bola na perfeição para a sua fuga ao guarda-redes. Mas o poste bastardo estava lá. Também como Carlos Alberto em 1970 gritei "Puta que paaaariuuuuu!", mas não podia sorrir. Vi alguém a correr na direcção do guarda-redes estático: "Estavas a dormir, palhaço". Eram irmãos. Mas ele compreendeu a impossibilidade, não podia evitar algo que não existia. Que não era explicado por "força 1 sobre objecto 1 menos atrito".
A bola fugiu para o lado contrário, saiu para pontapé de baliza. Se nessa altura tivesse razões para gritar golo bem alto, sentir-me-ia Rei do Mundo, capaz de tudo e de mais alguma coisa. Provavelmente, teria abraçado, com todos os meus 19 anos, a minha namorada. Acreditado que era o destino. E teria dito qualquer coisa estupidamente romântica sobre dedicatórias, casamentos e uma vida eterna em companhia. Hoje, não durmo assim tão bem, mas acordo bem mais feliz. Afinal, os postes estão lá para isso.
(by El Pibe da Trafaria)
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