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terça-feira, novembro 29, 2005

«Graças a Deus que não és... adepto»

Aqui há uns dias, ligou-me um amigo de infância. Ferrenho adepto de bola perguntou-me pela vida, pela mulher, se estava tudo bem ou nem por isso, o que fazia e não fazia, onde vivia, quantos filhos já tinha - enfim, trivialidades - antes de se decidir pelo que realmente lhe interessava. Fez-me apenas três perguntas, mas fiquei enjoado para o resto do dia. O primeiro estremecer de estômago chegou com o habitual «Então pá, achas que o Benfica vai ser campeão?». Faço já aqui um parêntesis, antes que comecem desse lado a embirrar e a fazer refresh assustados, para dizer que não foi por ele ter falado no Benfica que me deixou agoniado. Após o habitual «sim, não e talvez» com que respondi, a segunda questão deixou-me de rastos: «Olha lá, e quem vamos contratar em Janeiro?» Tentei levar a conversa para outros lados, o tempo, a vida, a inflacção, a fome em África, as gajas, mas não resultou. «Então o teu filho já é sócio do Glorioso?» Bem, devo dizer que já estava tão anestesiado que não dei pela pergunta à primeira. Um amigo de infância, que não vejo há décadas, liga-me porque quer saber do seu clube...

Fiquei doente para o resto do dia. Não baptizei os meus filhos para que tenham liberdade de escolha e agora a sociedade pressiona-os para que tenham um clube? Mas não há mais nada no futebol do que ser adepto de um clube? Felizmente, o mais velho sabe o que é uma bola, mas desconhece para que servem as balizas. Felizmente, pensa que um jogo de bola é um programa de televisão qualquer, da mesma produtora que o «Beyblade» ou o «Metabee» e sei que a única maneira de o obrigarem a ver um jogo na TV é pedirem ao Koeman, ao Paulo Bento ou ao Adriaanse para colocarem no onze todas as personagens da «Dó-Ré-Mi». Sei que não vai durar para sempre, mas pelo menos por agora estou feliz. Felizmente, o mais novo parte tudo o que vê à frente e um jogo de futebol, com ele a ver ou a jogar, não deve durar mais de dez minutos.

Ter um filho adepto de um clube (reparem que escrevi sempre «de um clube», porque não tenho nada contra ele gostar de bola) não pode ser coisa que se deseje a um filho. Prefiro que não estudem e vão trabalhar nas obras. Nem pensar em inscreverem-se numa claque. É que os adeptos de um clube não gostam de futebol, só do clube. Não percebem nada de bola. Nem do clube. São sempre prejudicados, perseguidos, os maiores, os que têm mais público, equipamentos mais garridos, cometem menos faltas, sofrem menos penalties, o presidente é melhor que os dos outros, têm melhores adeptos, comem melhores pequenos-almoços... Ufa!

Tenho mais uns anos pela frente antes de ter adeptos em casa e quero gozá-los ao máximo. Espero que eles sejam inteligentes e escolham o caminho mais difícil. Podem até trazer cães, gatos e filhos abandonados para casa. Só quero é poder continuar a dizer durante mais algum tempo: «Graças a Deus que não são adeptos!».

P.S. Pensei trocar a palavra Deus por Maradona, mas achei que seria fanatismo religioso a mais.

(by El Pibe da Trafaria)

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