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quinta-feira, junho 16, 2005

O melhor não-golo da história

1970, 7 de Junho. Guadalajara, México. Primeiros minutos de um Brasil-Inglaterra, a contar ainda para a primeira fase do Mundial. Ex-campeão do mundo contra campeão do mundo em título. Tese e antítese. Yin e Yang. Que se atraem e repelem. Movimento contínuo entre dois pólos. Negativo e positivo. O fabuloso Jairzinho corre pela direita, ameaçando as anti-aéreas britânicas. Olha e vê Pelé. Pelé olha e vê Jairzinho. O cruzamento sai poeticamente perfeito, limpo, sem espinhas, fazendo ângulo de 90 graus com o círculo de cal que marca o penalty. Um inglês salta, Pelé fica bem mais perto dos deuses. Pára no ar. Sente-se o poder do semi-deus, as nuvens podiam queixar-se em trovões que ninguém ficaria surpreendido. O movimento dos bracos do "rei" prepara a fatalidade, a catarse.

O coro já canta a tragédia, quando a cabeça coroada do 10 brasileiro traz a bola ainda mais para baixo, até bater na relva à frente do guarda-redes inglês. Morde-se a palavra gol como se fosse algo colocado na nossa boca para resistir à tortura. Gordon Banks voa, ninguém acredita. Os resultados e soluções encontram-se com equações e algoritmos, e no campo não há quem tenha tempo ou cabeça para os fazer. O inglês suspende-se no ar. E mergulha. Para o lado direito. A mão direita viaja em colher, em raquete. A bola. A mão. Tocam-se. Banks cai e o golo transforma-se no seu negativo, na continuidade. Até a trave parece surpreendida quando o couro lhe passa por cima. A perfeição.

Pode uma jogada que não seja feliz tornar-se maior do que todas as outras? Um guarda-redes provou-o. Se é à perfeição que a humanidade aspira, nada houve mais perfeito sobre a relva. Mas o futebol é injusto. Ninguém consegue pôr no mesmo patamar os golos de Carlos Alberto, Maradona e esta defesa de Banks. Porque o jogo não admite que tudo seja perfeito. Para que uns sejam melhores, outros devem ser piores. Para que um seja feliz, outro tem de ser infeliz. Talvez os deuses tenham conspirado para o que aconteceu depois. Em 1972, um acidente de automóvel atirou Banks para fora dos relvados. Com um profundo corte na zona do olho. Tentou voltar em 1973, mas já não era o mesmo. Enfim, a vida não é perfeita. Mas nunca devia castigar os audazes.

(by El Pibe da Trafaria)

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