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quinta-feira, março 31, 2005

Figo na Selecção: uma questão política

Luiz Felipe Scolari iniciou ontem a campanha nacional para o regresso de Luís Figo à Selecção. Não é uma surpresa, bem pelo contrário. Numa altura em que no interior da própria FPF há sinais de que o consenso, criado de dentro para fora, em redor da imagem do seleccionador começa a ser posto em causa, é inevitável que Scolari procure aliados de peso para manter a coesão do grupo. É esse o seu principal mérito, em dois anos de permanência no cargo, e foi esse o trunfo que lhe permitiu escapar incólume aos momentos de maior pressão.

É irrelevante lembrar agora que essa pressão foi, quase sempre, criada por intervenções inábeis do próprio seleccionador. Para lá das opções discutíveis (mas qual o seleccionador que as não tem?), tenho para mim que o maior handicap de Scolari é aquilo que uma canção dos Clã designa por «Problema de expressão». A avaliar pelos resultados, com outra clareza no discurso, com menos afirmações redundantes de autoridade, menos fórmulas ocas dirigidas ao coração do «povão» e mais habilidade na defesa das suas ideias, Scolari estaria hoje virtualmente ao abrigo de facadas nas costas. Não é esse o caso, e o golo de Postiga apenas adiou a expressão pública das primeiras fissuras no edifício da FPF.

Scolari sabe-o. E sabe também que, com o esboroar da máquina de futebol montada por Mourinho - que o ajudou decisivamente na campanha do Europeu, e cuja última aparição pode bem ter acontecido em Bratislava - se torna agora mais claro que lhe faltam vozes fortes no grupo para além da sua. Com a saída simultânea de Figo, Rui Costa e Fernando Couto, o núcleo de jogadores que Scolari escolheu para fazer a campanha do Mundial não tem uma liderança evidente. Pauleta não tem personalidade de comando, Cristiano Ronaldo é demasiado novo, Deco demasiado discreto e Simão demasiado solitário. Nuno Gomes e Petit poderiam, com o tempo, ser referências, mas não são titulares. Sobra Costinha, o único com perfil de general – mas sem estatuto suficientemente forte para o exterior, até pelo facto de se ter imposto tarde na Selecção.

O apelo ao regresso de Figo, que vai prosseguir nas próximas semanas, com autores e formas diversas, é assim, antes do mais, uma questão política interna. Scolari não quer um extremo direito, quer um líder no balneário que lhe dê cobertura. Porque um grupo de jogadores com liderança diluída é mais vulnerável a interferências externas e menos capaz de manter um rumo inalterado face às contrariedades.

Resta a questão puramente desportiva, muito mais aberta a discussões de café. Pode argumentar-se com a idade de Figo, e com a idade que Figo terá daqui por 15 meses, com a sua motivação, com a necessidade de dar confiança às novas soluções, numa perspectiva de futuro. Tudo isso faz sentido, mas perde importância com uma verdade universal: o talento, se acompanhado com motivação e personalidade, não passa pelo B.I.

Falando de Figo, talento e personalidade não se discutem, resta a questão da motivação. Mas com a provável saída de Madrid no horizonte, com o início de outra etapa, talvez a última numa carreira ímpar, é natural que, já no próximo mês de Junho, Figo seja um jogador ultra-motivado com a perspectiva de um novo desafio. Sem choradinhos e sem mitos salvadores da Pátria, quem viu o jogo de Bratislava só pode ter ficado com a certeza de que há lugar para Figo nesta Selecção.

(by Espoliado de Incheon)

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