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terça-feira, março 29, 2005

A propósito de meter ou não meter o pé

Até porque o rigor de expressão não é, de todo, um dos fortes do seleccionador, ainda não se percebeu bem qual o alcance exacto do recado de Scolari quanto à necessidade de os jogadores «meterem o pé» sempre que estão na selecção. Mas este alerta, populista e óbvio, tem o mérito de tornar ainda mais claro que a relação entre clubes e selecções é cada vez mais assente em interesses divergentes, ou mesmo opostos.

Enquanto os clubes, especialmente os europeus, suportam o lado industrial do futebol, as selecções remetem-nos para o lado afectivo e emocional, aquele que está mais próximo das origens da paixão por este desporto. Nenhum dos dois é dispensável: se os clubes fornecem a mão-de-obra que alimenta as selecções, poucas coisas valorizam mais um jogador do que uma presença marcante na sua equipa nacional. E, fechando o círculo, esse é um ingrediente de base para grandes transferências, essenciais para os ciclos económicos dos clubes.

Dito isto, o actual modelo europeu de qualificação para Campeonatos do Mundo e da Europa começa a parecer contraproducente, até para os que, como eu, consideram o espaço das selecções como a jóia da coroa do futebol internacional. Entre cada fase final, uma selecção de topo, como a de Portugal (ou Inglaterra, Espanha, Itália, França e mais cinco ou seis) tem mais de metade dos seus jogos oficiais diante de equipas de segundo ou terceiro plano. Percebe-se, assim, que os clubes façam contra-vapor face ao risco de as suas estrelas se lesionarem num relvado de má qualidade de Tirana, Vaduz ou Baku.

E como a qualidade dos jogos é invariavelmente má – escorregadelas como a de Portugal no Liechtenstein, há uns meses, resultam do nivelar por baixo das boas selecções e não da superação das mais fracas – nem sequer o argumento de que no desporto todos são iguais até prova em contrário começa a ser suficiente para se justificar jornadas sucessivas em que os grandes gerem esforços e somam vitórias mais ou menos sofridas diante de adversários que pouco mais fazem do que defender e esperar por um dia de sorte.

A criação de duas divisões, hierarquizadas pelos pontos conseguidos nas últimas competições, não é uma ideia nova e já foi defendida por diversos treinadores. Os menos cotados entrariam em cena mais cedo, discutindo entre si o direito de aceder à segunda fase, onde os pesos-pesados já não teriam direito ao erro. A fórmula já é aplicada, sem contestação, nas qualificações da Ásia, África e América Central. Com a pulverização da Europa pós-1989 em inúmeros países de futebol incipiente, talvez seja a altura de pensar a sério nessa hipótese. A geografia mudou, a economia também, mas o princípio permaneceu inalterado, talvez demasiado tempo. Recorrendo à matemática da escola, este parece mesmo ser um daqueles casos em que menos (jogos) por menos (desgaste inútil) dá mais (qualidade) ao futebol.

(by Espoliado de Incheon)

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