A propósito de meter ou não meter o pé
Até porque o rigor de expressão não é, de todo, um dos fortes do seleccionador, ainda não se percebeu bem qual o alcance exacto do recado de Scolari quanto à necessidade de os jogadores «meterem o pé» sempre que estão na selecção. Mas este alerta, populista e óbvio, tem o mérito de tornar ainda mais claro que a relação entre clubes e selecções é cada vez mais assente em interesses divergentes, ou mesmo opostos.
Enquanto os clubes, especialmente os europeus, suportam o lado industrial do futebol, as selecções remetem-nos para o lado afectivo e emocional, aquele que está mais próximo das origens da paixão por este desporto. Nenhum dos dois é dispensável: se os clubes fornecem a mão-de-obra que alimenta as selecções, poucas coisas valorizam mais um jogador do que uma presença marcante na sua equipa nacional. E, fechando o círculo, esse é um ingrediente de base para grandes transferências, essenciais para os ciclos económicos dos clubes.
Dito isto, o actual modelo europeu de qualificação para Campeonatos do Mundo e da Europa começa a parecer contraproducente, até para os que, como eu, consideram o espaço das selecções como a jóia da coroa do futebol internacional. Entre cada fase final, uma selecção de topo, como a de Portugal (ou Inglaterra, Espanha, Itália, França e mais cinco ou seis) tem mais de metade dos seus jogos oficiais diante de equipas de segundo ou terceiro plano. Percebe-se, assim, que os clubes façam contra-vapor face ao risco de as suas estrelas se lesionarem num relvado de má qualidade de Tirana, Vaduz ou Baku.
E como a qualidade dos jogos é invariavelmente má – escorregadelas como a de Portugal no Liechtenstein, há uns meses, resultam do nivelar por baixo das boas selecções e não da superação das mais fracas – nem sequer o argumento de que no desporto todos são iguais até prova em contrário começa a ser suficiente para se justificar jornadas sucessivas em que os grandes gerem esforços e somam vitórias mais ou menos sofridas diante de adversários que pouco mais fazem do que defender e esperar por um dia de sorte.
A criação de duas divisões, hierarquizadas pelos pontos conseguidos nas últimas competições, não é uma ideia nova e já foi defendida por diversos treinadores. Os menos cotados entrariam em cena mais cedo, discutindo entre si o direito de aceder à segunda fase, onde os pesos-pesados já não teriam direito ao erro. A fórmula já é aplicada, sem contestação, nas qualificações da Ásia, África e América Central. Com a pulverização da Europa pós-1989 em inúmeros países de futebol incipiente, talvez seja a altura de pensar a sério nessa hipótese. A geografia mudou, a economia também, mas o princípio permaneceu inalterado, talvez demasiado tempo. Recorrendo à matemática da escola, este parece mesmo ser um daqueles casos em que menos (jogos) por menos (desgaste inútil) dá mais (qualidade) ao futebol.
(by Espoliado de Incheon)
Enquanto os clubes, especialmente os europeus, suportam o lado industrial do futebol, as selecções remetem-nos para o lado afectivo e emocional, aquele que está mais próximo das origens da paixão por este desporto. Nenhum dos dois é dispensável: se os clubes fornecem a mão-de-obra que alimenta as selecções, poucas coisas valorizam mais um jogador do que uma presença marcante na sua equipa nacional. E, fechando o círculo, esse é um ingrediente de base para grandes transferências, essenciais para os ciclos económicos dos clubes.
Dito isto, o actual modelo europeu de qualificação para Campeonatos do Mundo e da Europa começa a parecer contraproducente, até para os que, como eu, consideram o espaço das selecções como a jóia da coroa do futebol internacional. Entre cada fase final, uma selecção de topo, como a de Portugal (ou Inglaterra, Espanha, Itália, França e mais cinco ou seis) tem mais de metade dos seus jogos oficiais diante de equipas de segundo ou terceiro plano. Percebe-se, assim, que os clubes façam contra-vapor face ao risco de as suas estrelas se lesionarem num relvado de má qualidade de Tirana, Vaduz ou Baku.
E como a qualidade dos jogos é invariavelmente má – escorregadelas como a de Portugal no Liechtenstein, há uns meses, resultam do nivelar por baixo das boas selecções e não da superação das mais fracas – nem sequer o argumento de que no desporto todos são iguais até prova em contrário começa a ser suficiente para se justificar jornadas sucessivas em que os grandes gerem esforços e somam vitórias mais ou menos sofridas diante de adversários que pouco mais fazem do que defender e esperar por um dia de sorte.
A criação de duas divisões, hierarquizadas pelos pontos conseguidos nas últimas competições, não é uma ideia nova e já foi defendida por diversos treinadores. Os menos cotados entrariam em cena mais cedo, discutindo entre si o direito de aceder à segunda fase, onde os pesos-pesados já não teriam direito ao erro. A fórmula já é aplicada, sem contestação, nas qualificações da Ásia, África e América Central. Com a pulverização da Europa pós-1989 em inúmeros países de futebol incipiente, talvez seja a altura de pensar a sério nessa hipótese. A geografia mudou, a economia também, mas o princípio permaneceu inalterado, talvez demasiado tempo. Recorrendo à matemática da escola, este parece mesmo ser um daqueles casos em que menos (jogos) por menos (desgaste inútil) dá mais (qualidade) ao futebol.
(by Espoliado de Incheon)
<< Home