Uma fatia da infância
Tinha onze anos quando vi pela primeira vez uma equipa portuguesa numa final europeia. O Benfica de Eriksson (Bento, Pietra, Humberto, Bastos Lopes, Veloso, Shéu, Carlos Manuel, Stromberg, Chalana, Filipovic, Nené, mais o Álvaro, o José Luís, o Alves e o Diamantino) já tinha entrado no meu imaginário pela gloriosa vitória em Roma (Tancredi, Nela, Vierchowod, Di Bartolomei, Maldera, Conti, Prohaska, Ancelotti, Falcão, Pruzzo e Iorio) mas perceber que um dos «nossos» podia ter a consagração suprema daqueles travellings lentos ao longo dos onze rostos alinhados a meio-campo, numa quarta-feira de Maio, teve a força de uma revolução no meu mundo.
Um ano depois, foi já sem surpresa, mas com igual intensidade, que assisti à estreia do F.C. Porto (Zé Beto, João Pinto, Eurico, Lima Pereira, Eduardo Luís, Frasco, Jaime Pacheco, Sousa, Jaime Magalhães, Gomes e Vermelhinho) nessas quartas-feiras mágicas. Do outro lado estava o melhor jogador do Mundo, na era-pré-Maradona, e a Juventus (Tacconi, Gentile, Brio, Scirea, Cabrini, Bonini, Briaschi, Vignola, Platini, Rossi e Boniek) era treinada por um tal Trapattoni que me fez perceber, aos 12 anos, que as vitórias nem sempre rimavam com alegria e encantamento.
A seguir veio a magia de Chalana, no Euro-84, a noite louca de Marselha (Bento, João Pinto, Eurico, Lima Pereira, Álvaro, Frasco, Sousa, Jaime Pacheco, Chalana, Jordão e Diamantino, mais Gomes e Nené), com a França, o milagre múltiplo de Estugarda, a humilhação do México-86, a consagração de Viena (Mlynarczyk, João Pinto, Eduardo Luís, Celso, Inácio, Quim, André, Sousa, Jaime Magalhães, Madjer e Futre, mais Frasco e Juary), as finais perdidas do Benfica no Neckarstadion e no Prater...
Quando dei por mim era um adulto. Ou algo parecido com isso. Percebi-o, porque começava a ser-me difícil fixar os nomes dos nossos adversários. E porque já não passava semanas a roer as unhas, antecipando uma qualquer meia-final com o Barcelona ou o Inter. Aliás, já nem sequer roía as unhas: comecei a fumar e, heresia suprema, até deixei de decorar os nossos onzes.
As emoções da infância estavam guardadas numa gaveta fechada à chave. Só a Selecção, muito de vez em quando, conseguia encontrá-la. Como na Holanda, em 2000. Como no Euro da bandeirinha na varanda, onde apesar de todo o folclore-pimba e das derrapagens populistas houve uma equipa capaz de ganhar a imortalidade no meu imaginário. Mas mesmo as vitórias do F.C. Porto de Mourinho já não mexiam com algo tão profundo: vivi-as como a consagração do melhor treinador da história do futebol português, e de uma cultura de valores colectivos que tinha em Jorge Costa, Baía e Costinha as expressões mais determinadas e em Deco e Alenitchev o talento autorizado pelo rigor. Um processo empolgante, muitas vezes brilhante, mas demasiado adulto e racional para me fazer sonhar com os jogos, muito menos decorar os onzes. Os «nossos» e os dos adversários.
Ao longo deste ano, a equipa de Peseiro soube fazer-me sonhar durante alguns momentos. Em Roterdão, durante 90 minutos, em casa com o Newcastle, durante 70, em Middlesbrough, durante 50. Com o AZ, durante metade do segundo jogo e nos cinco segundos que Pinilla demorou a marcar aquele golo em Alvalade. Os tempos mudaram, e daqui por uma semana terei dificuldades em lembrar-me de mais do que dois ou três jogadores dos holandeses. A própria equipa do Sporting não é fácil de memorizar: Rogério ou Miguel Garcia? Beto ou Enakharire? Custódio ou Rochemback? Hugo Viana ou Pedro Barbosa? Sá Pinto ou Douala?
Tenho 33 anos e até hoje nunca tinha visto o Sporting numa final europeia. No fundo, faltava-me uma pequena fatia da infância. A proeza dos homens de Peseiro chegou um pouco tarde de mais para a minha memória e para a capacidade de me sentir maravilhado com coisas que o tempo torna banais. Mas foi simpático da vossa parte, rapazes. Pela parte que me toca, obrigado.
(by Espoliado de Incheon)
Um ano depois, foi já sem surpresa, mas com igual intensidade, que assisti à estreia do F.C. Porto (Zé Beto, João Pinto, Eurico, Lima Pereira, Eduardo Luís, Frasco, Jaime Pacheco, Sousa, Jaime Magalhães, Gomes e Vermelhinho) nessas quartas-feiras mágicas. Do outro lado estava o melhor jogador do Mundo, na era-pré-Maradona, e a Juventus (Tacconi, Gentile, Brio, Scirea, Cabrini, Bonini, Briaschi, Vignola, Platini, Rossi e Boniek) era treinada por um tal Trapattoni que me fez perceber, aos 12 anos, que as vitórias nem sempre rimavam com alegria e encantamento.
A seguir veio a magia de Chalana, no Euro-84, a noite louca de Marselha (Bento, João Pinto, Eurico, Lima Pereira, Álvaro, Frasco, Sousa, Jaime Pacheco, Chalana, Jordão e Diamantino, mais Gomes e Nené), com a França, o milagre múltiplo de Estugarda, a humilhação do México-86, a consagração de Viena (Mlynarczyk, João Pinto, Eduardo Luís, Celso, Inácio, Quim, André, Sousa, Jaime Magalhães, Madjer e Futre, mais Frasco e Juary), as finais perdidas do Benfica no Neckarstadion e no Prater...
Quando dei por mim era um adulto. Ou algo parecido com isso. Percebi-o, porque começava a ser-me difícil fixar os nomes dos nossos adversários. E porque já não passava semanas a roer as unhas, antecipando uma qualquer meia-final com o Barcelona ou o Inter. Aliás, já nem sequer roía as unhas: comecei a fumar e, heresia suprema, até deixei de decorar os nossos onzes.
As emoções da infância estavam guardadas numa gaveta fechada à chave. Só a Selecção, muito de vez em quando, conseguia encontrá-la. Como na Holanda, em 2000. Como no Euro da bandeirinha na varanda, onde apesar de todo o folclore-pimba e das derrapagens populistas houve uma equipa capaz de ganhar a imortalidade no meu imaginário. Mas mesmo as vitórias do F.C. Porto de Mourinho já não mexiam com algo tão profundo: vivi-as como a consagração do melhor treinador da história do futebol português, e de uma cultura de valores colectivos que tinha em Jorge Costa, Baía e Costinha as expressões mais determinadas e em Deco e Alenitchev o talento autorizado pelo rigor. Um processo empolgante, muitas vezes brilhante, mas demasiado adulto e racional para me fazer sonhar com os jogos, muito menos decorar os onzes. Os «nossos» e os dos adversários.
Ao longo deste ano, a equipa de Peseiro soube fazer-me sonhar durante alguns momentos. Em Roterdão, durante 90 minutos, em casa com o Newcastle, durante 70, em Middlesbrough, durante 50. Com o AZ, durante metade do segundo jogo e nos cinco segundos que Pinilla demorou a marcar aquele golo em Alvalade. Os tempos mudaram, e daqui por uma semana terei dificuldades em lembrar-me de mais do que dois ou três jogadores dos holandeses. A própria equipa do Sporting não é fácil de memorizar: Rogério ou Miguel Garcia? Beto ou Enakharire? Custódio ou Rochemback? Hugo Viana ou Pedro Barbosa? Sá Pinto ou Douala?
Tenho 33 anos e até hoje nunca tinha visto o Sporting numa final europeia. No fundo, faltava-me uma pequena fatia da infância. A proeza dos homens de Peseiro chegou um pouco tarde de mais para a minha memória e para a capacidade de me sentir maravilhado com coisas que o tempo torna banais. Mas foi simpático da vossa parte, rapazes. Pela parte que me toca, obrigado.
(by Espoliado de Incheon)
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