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quarta-feira, março 02, 2005

O chip (III, não é?)

A FIFA aceitou. Depois de anos de discussão, após intensas gritarias, injustiças inesquecíveis, artigos inflamados, choros compulsivos e sorrisos envergonhados, a FIFA aceitou. Vai permitir um chip (ou lá o que é) no interior da bola que, fatalmente, deixará de ser a melhor coisa do futebol. A notícia não podia ser pior.

Aliás, duvido que seja legal. A experiência será feita num Mundial de sub-17 e é no mínimo indecente usar menores para estas coisas. Mexer nas entranhas da bola pode ser o princípio do fim. Até agora sabíamos perfeitamente quem culpar. O árbitro foi inventado para isso mesmo e insultá-lo faz parte da piada da coisa. Se bem me lembro do que aprendi em Antropologia, estes momentos de libertação permitida e controlada são o garante de que o mundo continua a girar, imperfeito como só ele.

Quando a bola for um chip, ocuparemos cadeiras ligadas à net. Em vez do cachecol e da bandeirinha teremos numa mão o rato e na outra o telemóvel, será proibido comer e beber para não estragar o teclado. Assim que surgir no ecrã a informação por que ansiamos (foi golo? estava fora-de-jogo? escovou os dentes depois do almoço?), poderemos imediatamente enviar um mail a reclamar e receberemos a resposta no instante seguinte, por sms, acompanhada de um gráfico que comprova a bondade da explicação científica e a nossa ignrância. As tribunas vip serão ocupadas por espectadores nascidos com chip.

O facto de termos agora um longínquo e desconhecido engenheiro coreano, e não a mãe do árbitro, para mandar à outra banda fará a inevitável diferença na nossa vida. (Toda a gente sabe que pior do que um golo mal anulado é não conseguir ligar um computador) Perder continuará a deixar-nos tristes. Mas muito mais frustrados. Há anos que nos ensinam que as derrotas (e até os empates, como o do Porto com o Benfica...) são, salvo honrosas excepções, provocadas por árbitros. E consta que basta um espirrar na Américã. No dia em que nos erguermos, vermelhos de raiva, e um vibrante «Fora o engenheiro!» sair pela nossa boca terá chegado o fim. Parece que já esteve mais longe.

P.S.: O futebol, essa coisa conservadora e fascinante, sempre resistiu muito bem aos números, que ainda não conseguiram dominá-lo. Por exemplo: Portugal tem o campeonato mais disputado de toda a Europa, com três equipas na frente e mais duas à espreita. Mas nem por isso andamos satisfeitos, reclamamos da qualidade com a convicção dos eleitos. O F.C. Porto já não é o que era, o Benfica tem um treinador duvidoso e o Sporting seria bonzinho se não dependesse tanto de um jogador. No entanto, os números dizem-nos que são eles os melhores. Deve ser falta do chip.

(by Falso lento)

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