Nota de rodapé sobre a infâmia
A confirmação, quase quinze anos depois, de que o brasileiro Branco foi mesmo drogado por uma garrafa de água vinda do banco da Argentina, no Mundial de 1990, é uma surpresa. Mas só para quem não saiba o mínimo sobre a personalidade do ex-seleccionador argentino, Carlos Salvador Bilardo.
Antigo defesa do Estudiantes, nos anos 60, Bilardo tinha a fama de usar alfinetes
para amansar os adversários nas bolas paradas. Acabada a carreira de jogador tornou-se médico do exército, nos anos da ditadura militar, e depois técnico de futebol. As suas equipas criaram uma sólida reputação de jogo violento e militarista, mas em 1986, no México, um anjo chamado Maradona abriu-lhe as portas da glória: campeão mundial.
Honra lhe seja feita, Bilardo não mudou de estilo: ainda há uns anos, quando treinava o Sevilha, as câmaras do Canal Plus espanhol captaram-no a insultar o seu massagista, por ter assistido um adversário lesionado: «Ao inimigo nem água, ouviste? Hay que pisarlo!», gritava, possesso. Um slogan que as revelações sobre o caso-Branco tornam pelo menos irónico.
As declarações do lateral brasileiro, após a derrota do escrete foram sempre vistas como desculpas folclóricas. E depois esquecidas. Até que, em Dezembro passado, os antigos internacionais Maradona e Basualdo vieram garantir que o brasileiro tinha razão. Esta semana, Maradona voltou a reforçar a história, numa entrevista a um canal de Buenos Aires. Bilardo, que durante anos desmentira tudo, já admitiu que algo aconteceu, mas sem o seu conhecimento. Pelo meio, não fosse haver dúvidas sobre o seu carácter, ameaçou Basualdo com a divulgação de um vídeo supostamente comprometedor, de uma saída nocturna quando o médio jogava no Boca Juniors, em 1996.
A moral desta fábula pouco edificante não é uma, são duas: a primeira, obriga-nos, a partir de agora, a conceder algum crédito a todas as desculpas para uma derrota, por absurdas que sejam; a segunda diz-nos que, mesmo maquilhado com um título de campeão mundial, um canalha será sempre um canalha.
(Jorge Luis Borges, o maior escritor argentino, escreveu em 1954 um livro chamado «História Universal da Infâmia». Felizmente para Bilardo, Borges já morreu. E além disso detestava futebol. Por isso, ficou a faltar um capítulo pequenito à obra. Ou apenas uma nota de rodapé)
(by Espoliado de Incheon)
Antigo defesa do Estudiantes, nos anos 60, Bilardo tinha a fama de usar alfinetes
para amansar os adversários nas bolas paradas. Acabada a carreira de jogador tornou-se médico do exército, nos anos da ditadura militar, e depois técnico de futebol. As suas equipas criaram uma sólida reputação de jogo violento e militarista, mas em 1986, no México, um anjo chamado Maradona abriu-lhe as portas da glória: campeão mundial.
Honra lhe seja feita, Bilardo não mudou de estilo: ainda há uns anos, quando treinava o Sevilha, as câmaras do Canal Plus espanhol captaram-no a insultar o seu massagista, por ter assistido um adversário lesionado: «Ao inimigo nem água, ouviste? Hay que pisarlo!», gritava, possesso. Um slogan que as revelações sobre o caso-Branco tornam pelo menos irónico.
As declarações do lateral brasileiro, após a derrota do escrete foram sempre vistas como desculpas folclóricas. E depois esquecidas. Até que, em Dezembro passado, os antigos internacionais Maradona e Basualdo vieram garantir que o brasileiro tinha razão. Esta semana, Maradona voltou a reforçar a história, numa entrevista a um canal de Buenos Aires. Bilardo, que durante anos desmentira tudo, já admitiu que algo aconteceu, mas sem o seu conhecimento. Pelo meio, não fosse haver dúvidas sobre o seu carácter, ameaçou Basualdo com a divulgação de um vídeo supostamente comprometedor, de uma saída nocturna quando o médio jogava no Boca Juniors, em 1996.
A moral desta fábula pouco edificante não é uma, são duas: a primeira, obriga-nos, a partir de agora, a conceder algum crédito a todas as desculpas para uma derrota, por absurdas que sejam; a segunda diz-nos que, mesmo maquilhado com um título de campeão mundial, um canalha será sempre um canalha.
(Jorge Luis Borges, o maior escritor argentino, escreveu em 1954 um livro chamado «História Universal da Infâmia». Felizmente para Bilardo, Borges já morreu. E além disso detestava futebol. Por isso, ficou a faltar um capítulo pequenito à obra. Ou apenas uma nota de rodapé)
(by Espoliado de Incheon)
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